Rodinei Crescncio/Rdnews

Uma obra, que ser lanada no Brasil em abril, pelo selo Crtica, tornou-se o centro de debates acadmicos entre economistas e historiadores do mundo inteiro. Trata-se do livro “Tecnofeudalismo”, de autoria do economista grego Yanis Varoufakis, ex-ministro da economia da Grcia.

Segundo a viso (exagerada) do autor, o capitalismo morreu e foi substitudo por uma nova forma de dominao ao qual ele denominou de tecnofeudalismo. A denominao tomada emprestada do pensador francs Cedrid Durand, que j havia utilizado e popularizado o termo.

Segundo essa teoria, o capitalismo e o sistema de livre mercado, predominantes mundialmente, se exauriram e foram sucedidos por outro que tem como epicentro o monoplio das big techs e sua inusitada e fantstica capacidade de manipular informaes, atividades sociais, financeiras, econmicas e decises polticas.

Para os adeptos do conceito terico, o poder adquirido pelas gigantes digitais esto cada vez mais parecidas com o feudalismo vigorante na Idade Mdia no continente europeu. Vem da a nomenclatura tecnofeudalismo.

As plataformas de comrcio e servios digitais operam como os antigos senhores feudais. Seus usurios digitais seriam os modernos “servos” e os detentores do capital tradicional (dinheiro, maquinrios, redes telefnicas e digitais, indstrias) limitam-se ao papel de novos “vassalos”. A renda, assim como no feudalismo, ou a substituir o lucro, motor do capitalismo.

O autor alega que, nos ltimos sculos o mundo conviveu com muitas inovaes tecnolgicas, mas todas tendo o capital como principal meio de produo. O surgimento das big techs e seus algoritmos, que vivem em todos os nossos aparelhos digitais, determinam o comportamento e a tomada de decises, afetando a estrutura do modo de produo capitalista.

Nessa nova lgica, surge um novo formato de capital: a infraestrutura digital (nuvem, redes, algoritmos). A fora econmica e comercial dessas companhias est no domnio do novo territrio virtual, criando uma forte dependncia e cobrando o e “aluguel” dos seus servos e vassalos, gerando uma acumulao de fortunas com tamanho e velocidade jamais vistas em toda a histrica da humanidade. Essas empresas no operam com objetivos tipicamente mercadolgicos. Os usurios no so clientes no sentido clssico, mas servos que entregam dados sem ser remunerados diretamente, por isso, e precisam das plataformas para trabalhar, ar informaes e at os servios essenciais. Uma espcie de “feudalismo digital”.

O choque da pandemia, entre 2020 e 2022, ajudou a turbinar o crescimento das big techs, aumentando a dependncia e gerando fabulosos resultados quando o restante do mundo sofria perdas expressivas.

Mesmo quem no concorda plenamente com a nova teoria econmica, reconhece que as mega-empresas assumiram um poder maior do que o exercido pela aristocracia e pela Igreja Catlica na Idade Mdia, como se fosse uma verdadeira “repaginao do feudalismo”.

Empresas como Google, Amazon, Meta, Microsoft, Apple, Oracle, OpenAI, Nvidia adquiram dimenso nunca vista no capitalismo, chegando a valores de mercado estratosfricos, acima de um trilho de dlares e capacidade de influenciar em hbitos de consumo, comportamento social, produo industrial e rumos do comrcio varejista. At mesmo as grandes corporaes industriais e comerciais dependem das plataformas digitais em suas cadeias de suprimentos e para alcanar seus clientes.

A concentrao de poder e riqueza to grande e indita na histrica econmica que agora os lderes dessas empresas avanam para obter concentrao e domnio no mundo poltico e na geopoltica mundial, ajudando a eleger ou tirar lderes, at mesmo em grandes economias democrticas ou enfrentando pases que ensaiam estabelecer algum tipo de regulao sobre suas atividades.

O caso mais ilustrativo desse movimento a ostensiva participao das big techs na eleio de Donald Trump presidncia dos Estados Unidos e o protagonismo dos bilionrios da tecnologia Elon Musk e Peter Thiel, dois icnicos representantes das novas companhias digitais, que ocupam postos importantes no atual governo do republicano. A tal ponto que Elon Musk, dono da rede digital X, ser visto por muitos analistas polticos como o verdadeiro chefe de estado da nova istrao americana.

Assim como muitos historiadores e analistas macroeconmicos, no compartilho da viso de Yanis Varoufakis, das premissas e estrutura do pensamento econmico expostas no livro. Vejo uma leitura com argumentao terica rasa e comparaes muito simplistas do estgio atual do capitalismo e do feudalismo europeu.

Mesmo assim, h de se reconhecer que os arquitetos do tecnofeudalismo contribuem de forma significa para jogar luz no debate do poderio econmico, social e poltico que as gigantes digitais assumiram na ltima dcada. Poder to imenso que somente poder ser contido ou moderado por uma consistente e inteligente regulao institucional em cada pas e em nvel global.

Vivaldo Lopes economista e escreve neste espao s segundas-feiras