Cynthia Lemos
Executivos apressados, infncias aceleradas: O preo de ignorar o tempo das construes 3p53w
22/05/2025, 05h:00 - Atualizado: 21/05/2025, 09h:53
Rodinei Crescncio/Rdnews

“Apresta-te, mas respeita o tempo de cada coisa.”
Uma vez, um gestor — meu ex-chefe — disse isso para mim. Ele costumava dizer:
“Existe um fator que a gente precisa respeitar nos negcios, que o fator tempo.”
Eu digo que o fator tempo uma varivel que precisamos respeitar na vida.
Posso relatar aqui para vocs alguns exemplos de situaes que j presenciei na minha rotina:
Aquela me com um beb de seis meses, treinando-o a sentar no troninho, e postando isso como um grande trunfo nas redes sociais:
“Olha aqui minha filha, como ela super desenvolvida, j senta no troninho!”
“A cultura da competitividade nos moldou para a superao, mas tambm nos apressou alm da conta. E nos tornou, digamos, insalubres” 322yb
E, na contramo, temos a natureza, que nos mostra que uma criana, at os seis meses, ainda no tem estrutura fsica suficiente. Est apenas comeando a aprender a sentar. Ela ainda no tem o controle para ir l e fazer, segurar o xixi, soltar o xixi, segurar o coc, soltar o coc.
Mas temos pais apressados.
Vou compartilhar outro caso:
Aquele pai cuja criana nem entrou ainda na idade da alfabetizao, mas j est matriculada em escolas de aperfeioamento, treinando matemtica, treinando ingls — sendo que essas crianas ainda nem maturaram cognitivamente para isso. E ento eu ouo a indignao de um pai:
“Nossa, minha filha no t pegando, no sei o que acontece com ela… ser que tem algum problema?”
Enquanto outros se vangloriam:
“Meu filho est com cinco anos e j sabe contar at 100! O seu sabe contar?”
Mais uma vez, desafiando a natureza e apressando as coisas.
Na empresa, tambm no diferente.
Quantas vezes vejo gestores indignados, cobrando de suas equipes desempenhos astronmicos. Mas, quando voc vai olhar de perto, aquele membro do setor que est sendo cobrado ainda de nvel assistente ou jnior — sendo criticado por no desempenhar como um snior.
E ali ele deixa de receber e fica com aquela estrutura pesada em cima dele, se sentindo incapaz.
Em todos esses exemplos que estou citando aqui, podemos identificar pessoas, situaes e contextos sendo forados alm de sua capacidade naquele momento, alm do tempo em que esto prontos.
A cultura da competitividade nos moldou para a superao, mas tambm nos apressou alm da conta.
E nos tornou, digamos, insalubres.
Trouxe marcas de presso para alm do que pessoas, contextos e situaes esto prontos para ar — gerando marcas emocionais profundas, muitas vezes de difcil reverso.
A partir dessa cultura da competitividade sem limites, que nos tornou buscadores incessantes pela superao, acabamos engolindo um fator extremamente importante: o tempo.
O tempo que cria maturidade, que o que nos faz desenvolver robustez, musculatura emocional, fsica…
E a comeamos a buscar aceleradores desse processo, que muitas vezes nos fazem ter um olhar totalmente focado no fim, sem observar — e curtir — o processo, a construo, o estar no aqui e agora.
Esse tipo de movimento, cada vez mais intensificado entre as pessoas, tem gerado consequncias psicolgicas: ansiedade, impacincia, pressa constante, o sentimento de que tudo precisa ser acelerado, de que tudo tem que estar pronto.
E, quando conseguem, j perderam a postura de curtir a conquista, de contemplar aquilo que buscaram, que edificaram.
Ento, quando finalmente pegam aquilo nas mos, como se no tivesse o tamanho que deveria ter, sabe? Como se fosse algo pequeno.
E, automaticamente, vemos pessoas mais entristecidas, depressivas, com um sentimento de vazio — e com muitas dvidas sobre o porqu das coisas, sobre o sentido da vida.
Uma vida mais cinza, sabe?
Nisso, eu acredito que a gente precisa voltar e reinserir a importncia do fator tempo.
E tambm a importncia do processo na jornada das conquistas.
Este redirecionamento, nos vrios ambientes humanos, poderia nos trazer a autoconfiana perdida no caminho da pressa.
Aquele corre-corre que nos fez deixar de apreciar a jornada e suas belezas — belezas de um dia a dia com mais presena no aqui e agora, que contm os obstculos e o processo de aprendizagem, que sim, contm o erro.
O erro que nos faz aprender e crescer.
Diante de uma sociedade apressada, noto que as pessoas aram a ficar perdidas e inseguras — a comear pelas nossas crianas e pelos adultos insuficientes em si, vazios, frustrados.
Talvez seja o momento de voltarmos a incluir o estado de contemplao perdido, hoje com data marcada somente nas frias escolares das crianas ou do trabalho dos adultos. E olhe l — alguns privilegiados aos finais de semana.
Pois, afinal, no se trata de datas reservadas, mas de espao sobre este aspecto na mente.
Cynthia Lemos psicloga e empreendedora; fundadora da Grandy Psicologia Empresarial e escreve neste espao quinzenalmente s quintas-feiras