ENTREVISTA ESPECIAL h261o

Sábado, 19 de Abril de 2025, 05h35 5o6141

Onde há Deus, violência não tem a última palavra, afirma arcebispo de Cuiabá

Dom Mário Antonio diz que, no mundo pouco sustentável e violento, fiel deve zelar pelo bem comum

Geovanna Torquato

Rodinei Crescêncio/Rdnews

Após 40 dias no deserto, os católicos veem uma luz por meio da ressurreição de Jesus Cristo. Nesse período de mais de um mês de meditações e preparativos para a celebração da Páscoa, os fiéis viveram motivações sobre o bem comum, tanto pela Campanha da Fraternidade, quanto pelo cuidado com o próximo em uma cidade violenta. Diante disso, o Arcebispo de Cuiabá, Dom Mário Antônio da Silva, conversou com o #rdnews sobre os frutos e mudanças esperadas entre os fieis para um mundo mais seguro, sustentável e sem ganância.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:

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Nós vivemos em uma sociedade muito violenta, com muitos casos de mortes violentas, seja em conflitos de facções, feminicídios e até mesmo suicídios. O tempo de deserto da Quaresma já ou, Jesus vai ressuscitar e a esperança ressurge. Como é que as pessoas podem transformar todas essas dores do nosso ambiente, toda essa insegurança social em esperança novamente? 

A violência a gente não sabe dosar com palavras. E, infelizmente, ela tem surpreendido e eliminado muitas vidas. Dói o coração até pensarmos nisso. Quando lemos os noticiários, a gente fica estarrecido com tamanha violência. Sobretudo, no sábado e domingo, parece que são dias que a violência campeia - tráfico de drogas, a questão da bebida, a questão da violência, locais de esporte que se transformam em violência, é algo realmente vergonhoso no nosso Brasil. Inclusive, como você disse, o feminicídio. É vergonhoso a realidade do feminicídio em nosso Brasil, inclusive no nosso estado de Mato Grosso. É preciso dar um basta a tudo isso. A Semana Santa nos convidou a olhar para Jesus, o príncipe da paz. Aquele que não ignora o sofrimento, a dor das pessoas, mas aquele que avança com o sentimento de paz. Essa paz não é uma emoção. Essa paz é uma atitude de defender e querer tudo o que Deus quer de melhor para todos os seus filhos e filhas. Claro, o que nos fortalece é que a violência não tem a última palavra. Apesar de ela ser dolorida e, às vezes, até mortal, ela não tem a última palavra desde que tenhamos um horizonte de fé. Em uma sociedade que não tem Deus no coração, a violência parece ser tudo. O tudo para acabar. Mas em uma sociedade que tem Deus no coração, a violência não tem a última palavra. O que tem a última palavra é a paz, que não é ausência de guerra, mas é a presença de amor, de sacrifício e de superação de gestos desumanos. 

Rodinei Crescêncio/Rdnews

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano foi “Fraternidade e Ecologia Integral”. Com as motivações feitas durante a quaresma, quais os frutos para a Arquidiocese de Cuiabá? O povo se abriu ao cuidado do meio ambiente?

É o que a gente espera. Na Campanha da Fraternidade deste ano, o tema visa resgatar todo um conteúdo que já vem sendo tratado nas campanhas durante a quaresma desde 1979. E qual é a nossa motivação com a temática da Ecologia Integral? Laudato si’: o cuidado com a casa comum, o documento do Papa Francisco. E também o Laudate Deum, que também nos alerta para o cuidado com o nosso planeta, porque há muita destruição da natureza, mas destruição também da vida humana. Por isso, “Fraternidade e Ecologia Integral” é entender que a intenção da Igreja, neste tempo quaresmal, e não só, mas durante toda a nossa vida, é que nós nos empenhemos numa missão de defesa da vida, prioritariamente da vida humana - e digo aqui da vida humana, do ventre materno, desde a fecundação, até o seu fim natural da existência humana - e de todas as criaturas que Deus colocou para a vida sustentável e com qualidade do ser humano. 

Aqui em Cuiabá os efeitos das mudanças climáticas são sentidos mais intensamente. Como o senhor acha que a Igreja pode contribuir para amenizar essa realidade que vivemos hoje? 

A gente tem proposto a temática da campanha da Fraternidade, momentos de formação, incentivando várias atividades nas paróquias e comunidades. Não só de economia de energia, de economizar água e de reciclagem, que são atos muito importantes e que ajudam na conscientização. A nossa preocupação é formar a consciência das pessoas de que ecologia integral não é só plantar árvores ou cuidar de animais e flores. É muito mais. É cuidar da nossa casa, do nosso planeta. É cuidar dos nossos rios. É cuidar da maneira como se faz a agricultura e a produção de alimentos, de tal maneira que não haja prejuízo para a vida humana e nem para o planeta. Só que isso está difícil. Está muito difícil. 

E isso se deve ao quê? A vivência da espiritualidade ajuda a compreendermos melhor o nosso planeta?

Hoje se vai mais pelo lucro do que pela sustentabilidade. Se vai mais pelo progresso, pelo acúmulo de produção, do que pela sustentabilidade da partilha e da qualidade de vida das pessoas. Mesmo assim, nós estamos vivenciando a quaresma e a Campanha da Fraternidade com a esperança de formar a consciência, de despertar as pessoas. A grande questão é pensar como estará o nosso planeta daqui 20 anos? Daqui 20 anos, quais serão as condições em que o ser humano estará vivendo? Se não fizermos algo hoje, certamente vai estar bem pior. 

Rodinei Crescêncio/Rdnews

Neste ano, a Páscoa vai coincidir com um feriado prolongado, o que faz com que muitas pessoas aproveitem para viajar e acabam se distanciando das celebrações, do significado da data. Até mesmo católicos não dão tanta importância para isso. Somado àquilo que o senhor falou sobre excessos, como podemos aproximar as pessoas, especialmente as crianças, do sentido da Páscoa? 

O verdadeiro sentido está na união, na comunhão. Primeiramente, na família. Tem aí, tem a sua família. Procurar meios e momentos de estar junto como família. E segundo, comunidade. No meu aspecto, que eu vivo um pouco distante da minha família de sangue, qual é a minha prioridade nesta semana, neste tempo quaresma, Semana Santa e Páscoa? É a comunidade. Então não é tempo para viagens, não é tempo para piquenique, não é tempo para férias, não é tempo para folga, não. É tempo de estar na comunidade, de servir. 

E qual é a mensagem que o senhor deixa para os nossos leitores nesta Páscoa? 

Páscoa é agem, mas que esta semana não apenas e na nossa vida, mas que ela permaneça, não pelo calendário, mas permaneça pelos gestos, pelas atitudes, pela nossa mentalidade de nos revestir da palavra de Deus. Neste ano do jubileu da encarnação, não tem algo melhor do que aquilo que São Paulo diz quando escreve a comunidade de Roma. Ele diz assim: “Que o Deus da esperança vos cumule de toda alegria, vos cumule de paz e que pela virtude do Espírito Santo transbordeis de esperança”. Então, o meu voto é que sejam dias que nos ajudem a transbordar de esperança. Que não é ficar esperando. Pelo contrário, é agir, ser proativo, criativo, porque a esperança é Jesus no seu, no meu e no nosso coração.

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