ENTREVISTA ESPECIAL h261o

Sábado, 15 de Fevereiro de 2025, 08h14 6s2p2f

Chefe do Gaeco vê dificuldade em ressocializar faccionados: "São extremamente violentos"

Para o promotor Adriano Roberto, esse tipo de detento deve ter um tratamento diferenciado dentro do Sistema Prisional

João Aguiar

Edição: Lislaine dos Anjos

Arte: Rodinei Crescêncio/Rdnews

Coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de Mato Grosso, desde fevereiro de 2023, o promotor de Justiça Adriano Roberto Alves não acredita na ressocialização de líderes de facções criminosas - pelo menos, não da forma como ocorre para outros "detentos comuns". Em entrevista ao #rdnews, ele salienta a necessidade de um tratamento diferenciado para o esse grupo dentro do Sistema Prisional, em razão do perfil extremamente violento, com isolamento que permita minar a facilidade que hoje ainda encontram para mandar e desmandar crimes na rua sem deixar suas celas. Além disso, o promotor ainda fala sobre os avanços conquistados pelo Gaeco nos últimos anos e espera uma atuação ainda mais forte nos próximos anos, com uso de Inteligência Artificial para acelerar processos e mais integração com as forças de segurança.

Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:

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No ano ado, o Gaeco deflagrou 37 operações, tendo 392 alvos e cumprindo 315 mandados de busca e apreensão e 142 mandados de prisão. O que esses números refletem e o que esperar da atuação do grupo durante essa nova gestão?

Nós fizemos uma reestruturação aqui dentro e, com isso, nós ganhamos um pouco mais. Hoje o que é o “carro-chefe” das investigações são os analistas que fazem análises dos aparelhos que são aprendidos: notebook, celular, e isso nos deu um poder de atuação maior. Além disso, a gente fez uma integração maior com as outras forças, com a Polícia Militar, obtendo informação, trocando informações, com a Polícia Civil, com a GCCO [Gerência de Combate ao Crime Organizado] e também com outras unidades do Ministério Público da Federação, como o Mato Grosso do Sul, São Paulo, Maranhão. Então, a gente intensificou essa troca de informações e também no auxílio a algumas investigações que eles nos demandavam, que a gente investigava, tratava esses dados, devolvia e depois a gente fazia a operação em conjunto. Então, foram todos esses atos em conjunto que possibilitou a gente ter um ganho muito grande de produtividade.

Annie Souza/Rdnews

Essa integração era uma das metas impostas pelo ex-chefe do MPE, procurador Deosdete Cruz, na gestão anterior?

Uma das nossas metas era essa integração. Isso foi em comum acordo entre mim e ele. A orientação do doutor Deosdete foi para que nós fizéssemos uma integração maior com as outras instituições. Onde eu atuei, sempre fui adepto da integração e trabalho em conjunto. É preciso realmente cada vez mais nós integrarmos [com as forças de segurança], porque dá uma maior efetividade. Alguns dados a PM têm maior eficácia do que nós, outros nós temos maior poder de investigação, por exemplo, mas essa troca de informação nos permite dar um ganho muito maior.

“Efetivamente, a persecução, investigação, denúncia, punição, condenação, está acontecendo - e muito. Há trabalhos grandes de investigação não só do Gaeco, mas da Polícia Civil. O Judiciário está condenando. Os promotores fazem júri e os juízes estão condenando. Agora, o problema é que lá de dentro [dos presídios] eles continuam mandando. Esse é o grande problema” 296651

E o novo procurador-geral de Justiça, Rodrigo Fonseca, deu alguma orientação diferente para os próximos anos?

Seguir nessa mesma linha de atuação, com uma integração maior, um combate maior a essas extorsões que a gente sabe que estão ocorrendo do comércio, da população em geral, questão de segurança ou tentativa de monopólio a alguns comércios, como aconteceu em Paranatinga recentemente. Nós teremos um foco maior nisso. É uma investigação difícil de ser feita porque quem está sendo extorquido tem uma dificuldade em denunciar. Mas aqueles que procurarem o Gaeco ou um promotor de Justiça da sua comarca, eles podem fornecer os dados que a gente precisa e a gente não identifica. Em breve teremos operações realizadas contra as extorsões que estão acontecendo em Cuiabá que partiram desse mesmo perfil: cidadão nos procurou e nos forneceu o máximo de informações possíveis.

Como que está sendo investimento no Gaeco?

Os investimentos nós já estamos fazendo. Estamos com procedimento para adquirir equipamentos de ponta, de informática, vamos procurar instalar Inteligência Artificial dentro dos nossos softwares para fazer uma apuração maior dos crimes que são perpetrados. Sobre a IA, nós estamos estudando a melhor forma e estamos implantando, agora isso leva tempo, demora, mas os detalhes são técnico que a gente nem consegue ar para vocês.

Qual o número de agentes do Gaeco?

Aqui em Cuiabá nós temos policiais civis e temos policiais militares. Ao todo nós somos mais ou menos 70 agentes, atuando na área operacional, na área investigativa, extração de dados, TI [Tecnologia da Informação], e os vários setores que a gente atua.

E esse número é suficiente? 

Sempre a gente precisa de mais, porque o crime sempre está aumentando. Mas temos limitações. O Gaeco é uma força de tarefa, então nós temos policiais civis, investigadores de polícia, escrivães, delegados, temos policiais militares, oficiais, tenentes-coronéis, e isso vem do Poder Executivo, e ele também tem as suas necessidades. Então, a gente quer ampliar, mas existe a limitação. No entanto, é possível a gente ampliar, não só na Capital, mas também nos polos do interior.

Annie Souza/Rdnews

Há algum tempo, temos visto o aumento da atuação das facções criminosas no estado, em especial o Comando Vermelho que, segundo dados mais recentes, já havia mais que triplicado o número de membros em Mato Grosso. O Gaeco e o estado têm estrutura suficientes para combater essas organizações criminosas?

Não para [de crescer] porque tem lideranças que continuam mandando, continuam  alimentando. Vou falar não só do Gaeco, mas falar da estrutura do estado de Mato Grosso: Polícia Civil, Polícia Militar, Judiciário, Ministério Público, Gaeco. Nós temos combatido duramente as facções. Dezenas já foram julgados, levados a júri, porque matou alguém, estão condenados, estão cumprindo pena. Mais de 90% eu posso afirmar que estão presos. Então, efetivamente, a persecução, investigação, denúncia, punição, condenação, está acontecendo - e muito. Há trabalhos grandes de investigação não só do Gaeco, mas da Polícia Civil. O Judiciário está condenando. Vários promotores do interior estão fazendo júris. Ninguém tem medo de fazer júri. Os promotores fazem júri e os juízes estão condenando. Agora, o problema é que lá de dentro [dos presídios] eles continuam mandando. Esse é o grande problema. 

Hoje o grande problema é esse. Se conseguir fazer com que eles lá de dentro não mandem, vamos ter um grande número de faccionados aqui sem um comando, sem realmente poder, sem saber o que fazer. Vai haver uma desestruturação grande e orgânica se nós conseguirmos fazer isso. E nós estamos lutando para que isso aconteça, conversando com o Executivo, conversando com o Legislativo para que aprovam leis mais duras, leis mais severas, porque nós realmente precisamos. 

Eles [lideranças de facções] são presos. A maior liderança está presa há quase 30 anos. Tem outros também que estão presos, outros fora do estado, em presídios federais. Então, as maiores lideranças estão presas, mas continuam mandando, porque o sistema de execução de pena permite que isso aconteça.

“ Se não mudarmos a cultura que temos hoje de enfrentamento dessa criminalidade, nós vamos perder essa guerra. Se não mudar a legislação, a forma de encarar isso. Uma coisa é uma legislação para quem pratica um estelionato, que cometeu um homicídio, que às vezes estava bêbado e entra em uma briga de boteco. Ele é diferente de um cidadão que manda decapitar, que manda torturar, que extorque a sociedade” 2l4d26

A prisão por si só, nesses casos, não parece ser suficiente - principalmente quando varreduras mostram celulares, carregadores e chips sendo encontrados dentro das celas. Esse poderio dos faccionados mesmo atrás das grades é hoje a principal "pedra no sapato"?

Esse é um gargalo que nós temos que resolver, e estamos tentando resolver, conversando, dialogando com o Poder Executivo. A gente precisa realmente ter uma legislação que endureça mais a execução dessa pena. Não é possível que criminosos que continuem decapitando pessoas, dando "salve", arrancando o braço. Temos que fazer com que a legislação mude, que isso tenha uma consequência grande para quem for pego lá dentro [com celular] e inclusive para quem a, interna um celular desse lá dentro.

Eu vejo no Brasil que temos que mudar a cultura nossa com relação ao enfrentamento a esse tipo de cidadão. Fala-se muito que temos que prender e ressocializar, mas há momentos que não tem como ressocializar. Porque essas lideranças de facções criminosas são violentas e, ao longo da caminhada deles, eles mataram e torturaram muita gente, ganharam muitos inimigos - e tem um conhecimento muito grande. Não dá para ressocializar na prática - e é difícil eu aceitar isso na minha cabeça -, só na teoria. Porque se esse cidadão sair do crime organizado, ou o inimigo dele vai se vingar e matá-lo, ou a própria facção vai matá-lo porque ele é um "arquivo vivo". Então, a prioridade com esse cidadão é isolá-lo, tirá-lo da sociedade, porque ele está matando, torturando, extorquindo. E em um segundo momento, se der, ressocializar. Essa é a nossa realidade, esse é o pragmatismo que nós temos que ter. Se não mudarmos a cultura que temos hoje de enfrentamento dessa criminalidade, nós vamos perder essa guerra. Se não mudar a legislação, a forma de encarar isso. Uma coisa é uma legislação para quem pratica um estelionato, que cometeu um homicídio, que às vezes estava bêbado e entra em uma briga de boteco. Ele é diferente de um cidadão que manda decapitar, que manda torturar, que extorque a sociedade.

Esses criminosos [faccionados] não podem receber visita íntima, esses criminosos não podem ter o a um mercadinho, esses criminosos têm que ficar isolados, esses criminosos - quando for comunicar com alguém de fora, para evitar que se e ordens - tem que ser no parlatório, não pode ter contato físico. Se continuar permanecendo isso, com essa doutrina nossa, com esse pensamento nosso, com essa cultura nossa, essas coisas continuarão a acontecer de dentro das cadeias.

Esse tipo de criminoso, de facção, é mais difícil de ressocializar?

Se não isolar, não ressocializa. A prova está isso aí: eles estão lá dentro e comandando. Ano ado nós fizemos uma operação grande, com a maior liderança da facção criminosa. Foi feito a busca e apreensão na cela e foram apreendidos vários celulares, carregadores, inclusive com carregador solar. Nós fizemos uma operação dentro do presídio, com liderança que está mandando matar na região de Juína, mandando matar, dar salve, mandando extorquir: preso e dando ordem. [Faccionados] são extremamente violentos e, por ter criado muitos inimigos, por ser uma liderança, se ele sair ou a própria facção vai matar esse "arquivo vivo", ou seus inimigos vão matá-lo. Pode ressocializar? Pode, mas é em um segundo momento. O que nós temos que pensar agora é fazer com que esse elemento fique em uma situação que ele não consiga mais dar ordem nem aqui fora, nem dentro do sistema prisional.

Muito se fala que a visita de familiares ajuda na ressocialização. Quando o senhor fala em isolamento, se refere a isso também?

Para o preso normal, que não é faccionado, [isso ajuda], sim. Mas o de facção, não. O preso comum receber a visita íntima, ter um convívio com os filhos, com a esposa, ok, nada contra. Agora, eu sou contra os faccionados, que é outro tipo de violência, outro tipo de cidadão. Esse tipo de endurecimento [de lei] que eu falo não é para quem furta um pão, furta uma picanha, que esporadicamente cometeu um assalto num momento de desespero, ou que estava em um boteco, começou uma briga e matou alguém. Não. Para esse cidadão, eu acho que a lei que nós temos hoje está boa, está dura para ele. Agora, essa outra fatia da sociedade [que são os faccionados], esse tipo de legislação aí [não dá]. Nós temos que mudar a legislação para lidar com eles. São pessoas extremamente violentas - e isso a gente vê pelos atos que praticam, porque não é normal ver uma pessoa [falando]: "Enfia a mão no peito dele e arranca o coração, filma para eu ver"; "arranca a língua dele"; "mata e corta as partes íntimas".

O senhor é a favor da pena de prisão perpétua ou pena de morte?

Isso foi discutido na Constituição de 1988. Não pode ter, exceto em casos excepcionalíssimos. Isso na Constituição Federal é uma cláusula pétrea e só pode mudar se houver uma reforma da Constituição. Isso é um ato extremamente difícil e nós não temos tempo para discutir isso. Basta cumprir a pena. Se ele foi condenado a 200 anos, que cumpra seus 200 anos. De que forma? Endurecendo o sistema para que ele realmente cumpra sua pena e seja isolado. 

O senhor acredita, então, que é preciso uma mudança urgente na Lei da Execução Penal?

Sim, tem que ter essa mudança. E ela tem que vir como? Proibindo essas pessoas de terem visita íntima; que elas possam falar com o advogado, mas que seja num parlatório, que seja possível gravar essa fala, logicamente dentro das garantias constitucionais que lhe dão. Mas tem que ter uma limitação muito maior do que o preso comum.

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