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Domingo, 01 de Junho de 2025, 15h30 55695v

PROTAGONISTA

Madeira nativa retoma espaço em casas: aconchego com toque de sustentabilidade

Deixado de lado por vários anos, material ganha destaque e volta a ser incorporado em projetos arquitetônicos

Geovanna Torquato

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Mato Grosso é protagonista em vários eixos econômicos, sendo um deles a produção de madeira nativa. Segundo o Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira de Mato Grosso (Cipem), o estado possui uma área cultivada de 5,2 milhões de metros quadrados, os quais totalizaram 7 milhões de metros cúbicos em 2024. 

No entanto, apesar do número significativo e da madeira ser um elemento tradicional na construção civil, o material vinha sendo "deixado de lado" em favor de outros recursos, em tese, mais resistentes, como o aço e o alumínio. Agora há um movimento de retorno dentro da arquitetura para a retomada da madeira funcional dentro de um projeto, incorporando as sensações que ela provoca no cotidiano do morador. Isso porque o material remete a memórias aconchegantes, como uma mesa grande em um almoço de domingo, uma cristaleira com louças para ocasiões especiais e um piso que pede para andar descalço.

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Bruna Medeiros, arquiteta

“A gente acabou perdendo alguns benefícios, inclusive o acolhimento que, agora, eu vejo que as pessoas estão sentindo falta. Estão sentindo que as casas ficaram frias, sem personalidade”, afirmou a arquiteta Bruna Medeiros, especialista em Arquitetura Tradicional. 

Diferente da frieza dos materiais compensados, como o MDF, a utilização de madeira nativa dentro da construção civil - seja nos móveis ou nas estruturas - vai além da personalidade e aconchego dado às residências já saturadas com vidros e pedras. Uma casa, por exemplo, pode acabar se tornando um exemplo de sustentabilidade ao incorporar madeira em sua construção, já que se trata de um material sustentável e renovável. 

Entre os benefícios da madeira, Bruna cita dois principais: o conforto térmico e o isolamento acústico. O primeiro é proporcionado pela capacidade de retenção de calor, que pode ajudar em tempos mais frios. Já o segundo reflete o papel de absorver e dissipar ondas sonoras em ambientes. 

Sustentabilidade “at home”

Por anos, alimentou-se o mito de que a madeira não é durável como uma peça de plástico ou, até mesmo, sustentável, já que pode ser relacionada com o desmatamento. No entanto, a confusão ocorre pela falta de diferenciação da madeira nativa do MDF, que é um compensado de serragens e não é, essencialmente, madeira - tratando-se de um material frágil e mais barato, sem tanta resistência. 

Galeria: Projetos residenciais com madeira nativa 2u1a6c

Em Mato Grosso são cultivados mais de 50 tipos de madeira, sendo que 90% podem ser utilizadas na construção civil. Isso ocorre tanto pela adesão de produtores rurais ao sistema Integração Pecuária-Floresta (IPF), que otimiza as áreas produtivas de uma propriedade, quanto pelo manejo sustentável. 

Para o presidente do Cipem, Ednei Blasius, a madeira, além de sua personalidade, é uma aliada para uma construção civil mais sustentável e viável em termos de reparos e durabilidade. 

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Ednei Blasius, presidente do Cipem-MT

“O único produto que é ecologicamente correto, socialmente justo, economicamente viável e que tem carbono fixado é a madeira. Nós temos tudo isso para fornecer com qualidade, com rastreabilidade, com legalidade, com sustentabilidade, dando segurança para os nossos compradores”, detalhou Blasius. 

Dentro dos desejos do Cipem para o aumento da “madeira de verdade” na construção civil, está o investimento de tecnologia para a utilização do material na indústria de transformação. Ou seja, antes de vender as toras e tábuas soltas, que precisam de instalação e tratamento, a organização deseja entregar produtos prontos ao consumidor final, que sejam atrativos e fáceis de manusear.

Um desses exemplos de investimento no empreendedorismo é Fred Soares, fundador da FS Bioconstruções em Primavera do Leste (a 243 km de Cuiabá). Há um ano, ele profissionalizou um hobby de marcenaria de móveis de madeira a partir da consultoria do Centro Sebrae de Sustentabilidade. 

O diferencial da FS é a opção por aproveitar um tipo de madeira que seria destinada para queima, que são as sobras do corte das tábuas - chamada também de “pedaceira” -, o que não significa peças de madeiras com avarias ou de qualidade menor. Ao invés de irem para o lixo, acumular resíduos, ou seguir para queima, Fred as compra para a construção de domos, balanços e pergolados. Isso faz com que a madeira armazene carbono durante sua vida útil, reduzindo a emissão de gases estufa no ambiente. 

“Ao retornar esse produto para dentro de uma casa em forma de arte, você dá uma sobrevida para essa madeira. O meu produto é original, inovador e sustentável, seguindo essa tendência muito forte de volta da madeira”, contou Fred. 

A demanda do empresário é voltada, principalmente, para pousadas e resorts litorâneos. Desse modo, a madeira pode contribuir para vários nichos de mercado e, também, valorizar um imóvel com os seus benefícios. 

“Seja no pergolado, em um ripado, em um forro, seja em uma mesa de centro, em uma mesa cascata, a madeira pode virar tudo isso. Ela traz requinte, traz beleza, agrega valor e não é um produto inviável para uma obra”, argumentou o presidente do Cipem. 

Galeria: Móveis FS Bioconstruções 3u5116

Para além dos pergolados

Dada a oferta de madeira em Mato Grosso, o aproveitamento dessa matéria-prima é muito estudado e visado para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, José Afonso Portocarrero, é um defensor da utilização do material para diferentes frentes, incluindo a construção de casas completas de madeira. 

“Hoje há um quase um preconceito com casas de madeira. Alguns podem pensar que uma casa de madeira é para pessoas que tem uma condição econômica menor, mas não é verdade. Até porque quem possui muito poder econômico nas mãos constrói estruturas muito caras com madeira”, apresentou o secretário. 

Annie Souza/Rdnews

O arquiteto e secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá, José Afonso Portocarrero

Além de chefe da pasta no Executivo Municipal, Portocarrero é arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Para ele, as construções com muita madeira tendem à composição mista, com banheiros e cozinha de alvenaria. Mesmo nesse sistema, as vantagens ainda se destacam: rápida montagem, conforto térmico e reserva de CO2. 

Com esse objetivo, Portocarrero desenvolveu uma pesquisa na UFMT que resultou em um projeto estrutural inspirado em habitações indígenas, chamada de Protótipo Tecnoíndia. A edificação é formada toda de madeira e possui formato ogival. Além disso, ela pode ser desmontada a qualquer momento, já que é formada apenas por encaixes de parafusos. 

“Ela pode ser utilizada para habitação indígena, mas pode ser um pequeno posto de saúde, pode ser uma pequena escola e pode até ser - pela sua facilidade de montagem e desmontagem, porque ela é toda parafusada -, uma casa de habitação de emergência”, detalhou o pesquisador. 

O projeto foi destaque no Encontro Brasileiro de Madeira e Estruturas de Madeira em Curitiba (PR), organizado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep).

Galeria: Modelo Tecnoíndia 342n50

Seja em decks, pergolados ou móveis, a madeira continua e persiste às marcas do tempo, que só a tornam mais valiosa. A partir das inovações e investimentos no setor, o posicionamento é otimista para ainda mais projetos envolvendo madeira. “A madeira nunca vai sair de moda”, conclui Fred.

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